Durante meus anos de atuação clínica e educacional, vivenciei intensamente a ansiedade de pais e educadores quanto ao momento adequado para encaminhar a criança a um especialista.
Como mencionado em postagens anteriores, a infância é caracterizada por progressos e retrocessos. Isso significa que, em certos momentos, uma criança pode avançar em uma área do desenvolvimento enquanto estagna em outra. Esses altos e baixos são normais e fazem parte do processo de desenvolvimento infantil.
Embora cada faixa etária seja associada a características específicas, é importante lembrar que o desenvolvimento de cada criança é único. Por isso, não devemos nos angustiar quando os marcos esperados não são atingidos de imediato.
Em minha prática, tanto na clínica quanto na escola, busco avaliar a criança de forma global, utilizando as idades como referência, e não como prazos rígidos para o desenvolvimento de determinadas habilidades.
A interdisciplinaridade é essencial no trabalho com crianças, pois a combinação de diferentes especialidades contribui para uma avaliação e intervenção mais precisas. O desenvolvimento de um indivíduo pode ser influenciado por fatores biológicos, emocionais, cognitivos, psicomotores, fonoaudiológicos, entre outros. Além disso, entender como esses diferentes níveis de funcionamento interagem em cada caso específico é crucial para uma avaliação holística. As variações de interação são múltiplas, e compreender como a mente funciona, como a informação é processada pelo cérebro e como nossos modelos de funcionamento (atenção, memória, pensamento, etc.) se manifestam é imprescindível.
Exemplos:
- Um paciente que apresenta queixas de memória pode, na verdade, ter dificuldades de atenção, o que requer uma abordagem distinta para o tratamento.
- Déficits de atenção podem ser causados por um quadro de depressão.
- Alterações no substrato neural podem influenciar diretamente comportamentos e estados emocionais.
- Déficits cognitivos podem ter origem em fatores emocionais.
O que devemos fazer ao suspeitar que o desenvolvimento de uma criança não está ocorrendo conforme esperado?
Sabemos que a intervenção precoce é essencial, pois quanto mais cedo um problema for identificado, maiores serão as chances de reabilitação da criança. Nesta postagem, abordarei a Neuropsicologia, uma área da Psicologia e da Neurologia que tem auxiliado pais, educadores e profissionais no diagnóstico, acompanhamento e tratamento de distúrbios de diversas naturezas.
A Neuropsicologia estuda a relação entre o cérebro e o comportamento humano, oferecendo uma compreensão detalhada do funcionamento cognitivo e do sistema nervoso central. A avaliação neuropsicológica é uma modalidade específica de avaliação psicológica. Sua principal diferença em relação às avaliações convencionais, como o psicodiagnóstico, é que ela foca não apenas no humor e comportamento, mas também examina o funcionamento cognitivo e leva em consideração os aspectos neurológicos do paciente.
Tanto em ambientes clínicos quanto educacionais, quando uma criança apresenta dificuldades em seu desenvolvimento, uma avaliação neuropsicológica pode ser solicitada. Esta avaliação analisará o funcionamento cerebral, o comportamento, o humor e as capacidades cognitivas da criança. Dessa forma, é possível explorar simultaneamente todas as áreas de funcionamento, evitando confusão de sintomas e diagnósticos desnecessários, o que, muitas vezes, pode resultar em desgastes emocionais para a criança e seus familiares.
Essa avaliação é realizada por uma equipe multidisciplinar, que tem como objetivo chegar a um diagnóstico preciso e definir a melhor forma de reabilitação. Durante o processo, serão aplicados testes selecionados com base nas necessidades específicas de cada criança. Por exemplo, em uma criança com queixa de memória, não será indicado um conjunto de testes que requeiram a memorização de informações complexas, pois isso apenas aumentaria a frustração. O foco inicial será identificar a origem e o grau da dificuldade. Da mesma forma, para crianças com afasia, testes de fluência verbal não serão apropriados.
Entrevistas com a criança e seus familiares também fazem parte da avaliação. Após o diagnóstico, inicia-se o processo de reabilitação. Mesmo quando ocorre uma melhora espontânea, é fundamental manter os estímulos para evitar retrocessos.
O objetivo da reabilitação é adaptar a criança ao ambiente no qual ela vive, para que, dentro de suas possibilidades, ela possa desempenhar as atividades diárias com maior autonomia. Essa adaptação requer uma visão integrada dos aspectos físicos, sociais e psicológicos da criança.
A reabilitação neuropsicológica tem dois pilares principais: recuperação e compensação.
Recuperação ou estimulação cognitiva: visa o treinamento das funções neuropsicológicas comprometidas. A partir da avaliação, é possível identificar as funções que necessitam de estimulação e, a partir daí, criar um programa direcionado para o desenvolvimento dessas habilidades.
Compensação: trata-se da reestruturação ambiental, ou seja, a adaptação do ambiente para reduzir os déficits cognitivos. Isso envolve o uso de mecanismos externos para compensar as dificuldades internas da criança.
A recuperação e a compensação podem ocorrer de maneira paralela ou sequencial, dependendo do caso. Para condições em que o processo de recuperação é mais lento, pode-se iniciar com a compensação, contribuindo para a melhora do paciente e sua adaptação ao ambiente, o que também ajuda a diminuir a ansiedade relacionada às suas limitações.
Em casos de traumatismo craniano, em que as funções cognitivas estão severamente afetadas inicialmente, a recuperação segue um curso mais gradual, com melhorias espontâneas ao longo do tempo. Nesses casos, o foco é a recuperação inicial, seguida de compensação.
Na reabilitação, podemos utilizar funções preservadas, reorganizando-as para minimizar as áreas comprometidas. Em muitos casos, o uso de medicamentos é necessário. A psicoterapia também desempenha um papel fundamental, pois o paciente precisa lidar com o luto pela perda de funções.
Além disso, é crucial proporcionar suporte e orientação para os familiares ou cuidadores, já que o sucesso da reabilitação do paciente depende dessa parceria e do apoio contínuo no processo de recuperação.